sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Bio de Crisanto - Saudade Sertaneja

No livro do poeta egipciense Marcos Passos, "Antologia Poética - Retratos do Sertão", encontramos essa pequena biografia de Bio de Crisanto, escrita por seu sobrinho, Geraldo Palmeira:

"Severino Cordeiro de Sousa (Bio de Crisanto), nasceu aos 09 de maio de 1929, no povoado São Vicente, na época município de São José do Egito. Filho de Crisântemo Olegário de Sousa e Blandina Maciel de Sousa, nos seus primeiros anos de vida foi residir em Sumé – PB, retornando à Capital da Poesia já adolescente. Aos oito anos de idade, escreveu sua primeira poesia, “Vida na Roça”. A partir daí a arte do versejar tomou conta da sua vida e, junto ao irmão Macilon Olegário de Sousa, foi cantador de viola durante três anos.

Na década de 50, logo após o falecimento de seu genitor, Bio de Crisanto mudou-se para Jacobina – BA, onde exerceu outras atividades profissionais. Naquela cidade, em novembro de 1959, por excesso de trabalho, sofreu um esgotamento físico e foi hospitalizado. Uma enfermeira sem conhecimentos anatômicos aplicou-lhe uma injeção no glúteo onde a agulha atingiu a cartilagem do tendão de locomoção. A partir dessa data o poeta não andaria mais.

No início da década de 60, Bio retorna a São José do Egito e começa sua luta para adequar-se a doença que o acometeu. Depois de morar alguns anos com a família, decide residir sozinho.

Grandes companheiros de suas horas de solidão foram amigos, familiares e os livros. Foi principalmente na dedicação à leitura que Bio de Crisanto superou suas mágoas e, na poesia, expôs toda sua sentimentalidade, valorização ao regionalismo e teorias sobre a vida. A arte do pensar foi a grande responsável pelo título que recebeu: “Poeta Filósofo”.

Na década de 60, em períodos tensos de nossa história, Bio escreveu “Fase Semi-Feudal”, poema consagrado que lhe rendeu elogios além fronteiras pernambucanas. Por se tratar de versos hostis ao regime militar, nenhuma das suas 14 estrofes foi publicada no seu livro.

Nas horas de conversa, quase sempre debruçado na janela de sua residência, localizada na Rua do Poeta, denominação escolhida em sua homenagem, Bio atendia inúmeros estudantes em busca de conhecimentos, levantava importantes assuntos ao lado de amigos e sempre que outro poeta o visitava, a glosa tomava conta do ambiente.

[...]

 Bio de Crisanto faleceu com 71 anos, aos 22 de agosto de 2000. Seus poemas inéditos estão sendo catalogados e serão inseridos na publicação de seu segundo livro “Meu Madrigal”, tíulo escolhido pelo poeta antes de sua morte. O novo livro trará, também, todo o conteúdo da primeira publicação."

Dum sopro de nostalgia vindo dos limites da serra da Borborema, nos chega o soneto "Saudade Sertaneja":


SAUDADE SERTANEJA

A saudade que mais maltrata a gente,
Quando a gente se acha em terra alheia,
É ouvir um trovão para o nascente
Numa tarde de março, às quatro e meia.

A zoada do rio, a orla da corrente
Fazer lindos castelos de areia;
Uma nuvem cobrindo o sol poente
E uma serra pra cá da lua cheia.

Um vaqueiro aboiando sem maldade,
Com saudade do gado, e com saudade,
O gado urrando ao eco do vaqueiro;

O cantar estridente da seriema
E o cachimbo da velha Borborema
Nas manhãs invernosas de janeiro.

Bio de Crisanto

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Diniz Vitorino - Quatro Sonetos (Transformação, A Velhice, Adeus e Será Justo)

Diniz Vitorino é natural de Lagoa de Monteiro, Paraíba. Segundo o autor de “Nordeste Independente”, Ivanildo Vila-Nova, Diniz é o maior de todos os cantadores. Unanimidade é considerá-lo além de grande cantador, também um grande escritor. Publicou livros de poesias, romances e cordéis. No prefácio do  “Oásis Enluarado”, de Diniz, Orlando Queiroz diz: “O Tempo da Poesia Popular Nordestina, que teve Diniz Vitorino como seu principal construtor, agora o tem como arquiteto, para concluir a obra com maestria, dando-lhe um refinado toque de beleza.” Desse mesmo livro, onde encontramos belos sonetos, líricos, queixosos, saudosos, e por vezes, indignados, selecionei estes quatro para o deleite poético de todos nós:


TRANSFORMAÇÃO

Se o momento é cabível para o gozo,
Frui as glórias que a vida te oferece.
Pois nem sempre o teu sol será brilhoso
E o fulgor do teu céu desaparece.

Jamais penses que o rio que hoje cresce
Cristalino, abundante e caudaloso,
Seja eterno, não seca, permanece
Perenal, romanesco, impetuoso.

Que aproveites o cheiro fascinante,
Que se evola da pluma aconchegante
Do lençol de cristal da tua aurora.

Se esmagares nos pés teus madrigais,
Com certeza amanhã tu não terás
O que tanto tens hoje e jogas fora.

Diniz Vitorino


A VELHICE

Exaustiva e penosa trajetória,
Missão árdua por nós quase cumprida.
Velha culta que esconde na memória
Efêmeras imagens de uma vida.

Documento perfeito duma história,
Pelo tempo contada e definida.
Resgate da dívida compulsória
Que há décadas atrás foi contraída.

Conta estúpida, perversa e esquisita,
Que com juros o mundo deposita,
Nos extratos da vida da pessoa.

Débito alto, guardado em seus arquivos,
No caderno dos saldos negativos,
Que o gerente do tempo não perdoa.

Diniz Vitorino


ADEUS

Se me enxotas, mulher, eu parto, já é hora.
Não me humilhes no pranto da partida,
Pois o maior desespero de quem chora,
É não ter sua dor reconhecida.

Minha lágrima é de amor, nasceu agora!
Mas a tua depois será nascida.
Quanto mais escondida ela demora,
Mais será lacrimosa a tua vida.

Os teus remorsos virão! Eu não sei quando.
Haverás de lembrar de mim chorando,
Eu também chorarei sem ti na cama.

Tua lágrima externa falsidade,
Mas as minhas são gotas de saudade,
Jamais secam, nos olhos de quem ama.

Diniz Vitorino


SERÁ JUSTO?

Esse velho infeliz que desmaiou!
Sem pousada, sem pão, sem agasalho,
Removeu mil montanhas, perlustrou
Pela íngreme vereda do trabalho.

Calejando as mãos magras semeou
Pólen fértil no ventre do cascalho.
Fecundou abundâncias e não passou
Dum fantoche vagante, um espantalho.

Será justo, meu Deus, que esse irmãos
Cavem terras adustas, plantem grãos,
Colham frutos nas glebas esquisitas,

Fartem mesas de loucos indiscretos,
Envelheçam e morram como insetos,
Esmagados nos pés dos parasitas?

Diniz Vitorino

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

José Adalberto Ferreira – Estímulo e Pra que tanta riqueza se a pessoa, nada leva daqui pra sepultura?

José Adalberto Ferreira nasceu aos 25 de junho de 1962, no sítio Juá, município de Itapetim, Pernambuco. Publicou em 2005 o versátil livro de poesias “No Caroço do Juá”. Sempre residiu em seu torrão natal, e talvez por isso reconheça tão facilmente os valores e as belezas do seu Pajeú. Mas seu poetar diversificado não o impede de passear por todos os temas e motes. Logo de início em seu livro encoraja quem ainda não revelou seus escritos, e que não abra mão do seu direito, sem medo do julgamento dos doutores e entendidos, a plêiade. Como já disse um irmão meu, corroborando com Zé Adalberto, “o melhor elogio é um incentivo!”.


ESTÍMULO

Sem subestimar a praxe
Que leva a pedir licença
À plêiade que melhor pensa
Ainda que a crítica ache
Que o escritor anônimo
Não legitime o sinônimo
Nem possua os requisitos
De quem escreve perfeito
Não abra mão do direito
De publicar seus escritos.

A História é que revela
Época, lugar, perda e glória
Melhor que fazer história
É ser personagem dela
A oratória se apaga
Mas a impressão da saga
Conserva seu conteúdo
Ainda que desbotado
Num compêndio empoeirado
Virará fonte de estudo.

Quem não se divulga, sobra
Assim, dê seu testemunho
É de um pequeno rascunho
Que nasce uma grande obra
Seu estro, não o desvie
Inove, resgate, crie
Sem se curvar às barreiras
Impostas à poesia
Siga a nossa Antologia
Atravessando fronteiras.

José Adalberto Ferreira


Em mais uma mostra do seu talento, o poeta José Adalberto glosa o mote “Pra que tanta riqueza se a pessoa / Nada leva daqui pra sepultura?”. Ótima pergunta, poeta!


PRA QUE TANTA RIQUEZA SE A PESSOA
NADA LEVA DAQUI PRA SEPULTURA

Muitas vezes, sozinho, eu pergunto:
Pra que tanta riqueza, se depois
Que o caixão encostar e couber dois
O amigo melhor não quer ir junto?
Pra que cara fragrância se o defunto
Não exige perfume da “natura”?
Mesmo a alma é cheirosa quando é pura
Mas o cheiro do corpo ainda enjoa.
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que casa cercada por muralha?
Se a cova é cercada pelo pranto.
Se pra Deus, todos têm do mesmo tanto
Tanto faz a fortuna ou a migalha.
Pra que roupa de marca, se a mortalha
Não requer estilista na costura?
Se o cadáver que a veste não procura
Nem saber se a costura ficou boa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu me esconder detrás de um pão
Se a miséria não bate em minha porta?
Pra que eu me cansar regando horta
Se amanhã ou depois já é verão
Pra que eu confiar no coração
Sem saber quanto tempo à vida dura
Se a ferida da alma não tem cura
Quando é a ganância que a magoa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Não sou dono de ônibus nem de trem
Mas enquanto eu puder me locomovo
Pra que eu invejar um carro novo
Se o transporte final nem rodas tem?
Nem me avisa dizendo quando vem
Mas só anda na minha captura
Bem abaixo da sua cobertura
Ele tem quatro asas, mas não voa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu inventar de ser afoito
Se eu não tenho coragem pra vencer?
Pra que eu comprar queijo sem poder
Se na mesa tem pão, ovo e biscoito?
Pra que eu colocar um trinta e oito
Entupido de bala na cintura
Se a razão é a arma mais segura?
Ter sossego é melhor que ter coroa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu toda hora dar balanço
No que tenho ou andar atrás de bingo?
Pra que tanta hora extra no domingo
Se Deus fez esse dia pro descanso?
Pra que eu trabalhar igual boi manso
Se a chibata do dono me tortura?
Pra que eu reclamar da minha altura
Se o que a mão não alcança, Deus me doa?
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu com dois olhos na barriga
Se os da cara já são suficientes?
Pra que eu invejar os meus parentes
Se já sei que o retorno é uma intriga?
A formiga que evita ser formiga
Cria asas, se torna tanajura
Cresce a bunda demais, cria gordura
Fica muito pesada e cai à toa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Deus me dando o arroz e o pilão
È preciso que eu saiba despolpá-lo
Pra depois de cozido eu mastigá-lo
Sem roubar o suor do meu irmão.
Eu confesso que vivo na fartura
Se tiver feijão preto e rapadura
Encho tanto a barriga, chega zoa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu ter mansão no litoral
Se um rancho está bom num pé de serra
Se eu fizer prédio alto aqui na Terra
Lá no Céu, vai faltar material
Meu ensino maior foi o Mobral
Os meus livros têm sido a Escritura.
Pra que eu aprender literatura
Se a palavra de Deus me aperfeiçoa?
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

José Adalberto Ferreira

Raimundo Caetano - Vou no trem da saudade todo dia

Nessa mesma cantoria, e no mesmo mote, o poeta paraibano Raimundo Caetano fez esses versos de destaque.


VOU NO TREM DA SAUDADE TODO DIA
VISITAR O LUGAR QUE FUI CRIADO

Me acomete a memória dos meus pais
Que parecem falar aos meus ouvidos
Minha vida caminha em dois sentidos
Uma parte pra frente, outra pra trás
Ao me ver estou ouvindo os madrigais
Sobre o colo materno amamentado
Não consigo dormir, sonho acordado
Afastando os lençóis da nostalgia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

Fisicamente eu não vou, mas na lembrança
Eu não deixo que as cenas se desmontem
Sempre parto do hoje atrás do ontem
Que escondeu meus brinquedos de criança
Me imagino na mesma vizinhança
Muitos antes de tudo ter mudado
Remexendo as entranhas do passado
Remontando o lugar onde eu vivia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

A saudade me obriga, eu obedeço
E retornar ao passado é bom pra mim
Mesmo eu fico mais longe do meu fim.
Toda vida que volto ao meu começo
Quando fico distante eu adoeço
E sinto meu coração despedaçado
Só deixei meu lugar por ser forçado
Que por pura vontade eu não saía
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

O terreiro coberto pelo mato
As paredes forradas pelo lodo
Ao ver essa imagem eu tremo todo
Como quem sente a mão do abstrato
Ver meus pais bem juntinhos num retrato
Que ainda com vida foi tirado
Dividindo o silêncio lado a lado
Um ao outro fazendo companhia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

Raimundo Caetano

João Paraibano – Vou no trem da saudade todo dia

João Pereira da Luz é natural de Princesa Isabel, Paraibana. Nasceu no sítio Pica-Pau, em sete de outubro de 1952, e mora atualmente em Afogados da Ingazeira, Pernambuco. É um dos mais talentosos cantadores de todos os tempos, capaz de produzir quadros poéticos em poucos segundos, e descrever paisagens e sentimentos como ninguém. Numa cantoria na cidade de Tabira-PE, João Paraibano, fazendo dupla com Raimundo Caetano, e glosou esse mote: “Vou no trem da saudade todo dia / Visitar o lugar que fui criado”. Fui agraciado com a graça de assistir este momento, no Skina Club, que foi devidamente gravado e encontra-se no endereço abaixo, do blog Cantorias e Cordéis. Por sua beleza, transcrevi, e agora, repasso a todos:
http://cantoriasecordeis.blogspot.com/2008/11/joo-paraibano-e-raimundo-caetano.html


VOU NO TREM DA SAUDADE TODO DIA
VISITAR O LUGAR QUE FUI CRIADO
* Obs.: Transcrevi diretamente do áudio, o que pode gerar alguns erros meus de interpretação!

No vagão da saudade eu tenho ido
Ver a casa onde antes nasci nela
Uma lata de flores na janela
A parede de taipa, o chão varrido
Milho mole esperando ser moído
Numa máquina do veio enferrujado
Que apesar da preguiça e do enfado
Mãe botava de pouco e eu moía
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

Vou pra ver nessa casa que foi minha
Minha rede já pensa duma banda
O batente na porta da varanda
Um bueiro de lata na cozinha
Mãe prendendo os dois pés duma galinha
Num cordão de algodão descaroçado
Um espeto cheirando a milho assado
E um cuscuz fumaçando na bacia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

Eu não posso esquecer que o rouxinol
Dessa casa também foi habitante
Mãe cortando pedaço de bramante
Pra colocar o remendo no lençol
Pai voltando da roça ao pôr-do-sol
Cochilando com o peso do enfado
Um pé sem chinelo, outro calçado
Uma mão ocupada, outra vazia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

Lembro a boca redonda da cumbuca
Que mamãe tirou sal pro alimento
A vassoura do rabo dum jumento
Espantando um enxame de mutuca
Um cancão desarmando uma arapuca
Um canário cantando engaiolado
Um cachorro latindo acocorado
Sem cobrar um tostão pra ser vigia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

Toda noite eu me lembro de lembrar
De um pião enrolado até o meio
Mãe botando carvão num ninho cheio
Pra ninhada da franga não gorar
Uma gata lambendo um agidá
Com o cabelo da testa penteado
Depois subia pra cima do telhado
Na certeza que o gato também ia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

João Paraibano

Dedé Monteiro - Quem me dera, Tabira

Chegando em Tabira, numa Missa do Poeta, realizada sempre no terceiro sábado do ano nessa cidade, em homenagem a Zé Marcolino, avisto um dos maiores poetas vivos do Nordeste. Possuidor de uma simplicidade sem igual, e de um gênio mais raro ainda. Dedé Monteiro é a voz seu povo em um momento, e em outro é a voz de todo o povo de uma só vez. Aqui, no nosso terreirinho, muitos poemas desse mestre do verso brotarão.

Na dedicatória, aos meus pais, do livro Mais Um Baú de Retalhos:

Quem se envolve em meus Retalhos
Se a alma não for tão fria
Sente do meu sentimento,
Sorrir na minha alegria...
Pois meu Baú foi escrito
Pra quem não mata um mosquito
E quando o faz, se arrepia...

Dedé Monteiro


Mais recentemente, o bastião da poesia tabirense escreveu para sua cidade, em versos simples, com toda a humildade de um filho eternamente grato pelo amor da mãe, e consciente de que é impossível transformar em versos essa gratidão.

QUEM ME DERA, TABIRA

Quem me dera, Tabira, se eu pudesse
Te dizer num poema que eu fizesse
A metade de tudo que acontece
Nas profundas cavernas do meu ser.

Se a mim fosse dado esse direito
Eu faria um poema sem defeito
Pra depois a teu povo oferecer.

Mas agora, Tabira, me convenço
Que não trago comigo dote imenso
De dizer tudo aquilo quanto penso
Que a boca peleja, mas não diz.

Mesmo assim eu te canto em baixo nível
Pois te quero de um modo tão incrível
Que se a felicidade for possível
Só por ser filho teu já sou feliz!

Dedé Monteiro

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Zé Moura - Dores e consolação

No seu "Barco Sem Rumo", o poeta Zé Moura, natural da Prata, município da Paraíba, deixou esse belo poema no túmulo do seu filho, Carlos José, no dia dois de novembro de 1999.

DORES E CONSOLAÇÃO

Uns trazem flores outros trazem velas
Eu nem trouxe velas e nem trouxe flores
Eu trouxe apenas, meu filho! Minhas dores!
E assim mesmo vou voltar com elas.

Há flores brancas, flores amarelas,
Azuis, vermelhas e de outras cores
Tão primorosas, desprendendo odores
Sorvendo lágrimas que deixaram nelas.

Eu nada pude te trazer, meu filho!
Além das dores de um olhar sem brilho
De um pai que vive pesarosamente.

Mas um consolo levarei comigo
Foi ver quem pode deixar teu jazigo
Ornamentado merecidamente.

José Moura de Oliveira, "Zé Moura".

Dimas Bibiu – Saudação a um avarento

No livro inspirador do nosso blog, Poetas Encantadores, de Zé de Cazuza, encontramos Dimas Bibiu, já falecido, onde eu tornando da Prata-PB em destino a Tabira-PE, avistei sua casa abandonada, na Fazenda Caldeirão, no povoado de Mundo Novo, município de São José do Egito...

“-Aquela foi a casa de Dimas Bibiu.”, apontou alguém. “- Quem?”. “- Dimas Bibiu, um poeta nosso.” Aí vai Dimas Bibiu:

SAUDAÇÃO A UM AVARENTO

Eu não creio em quem faz economia
Passa fome com pena de gastar
Vê um pobre faminto não lhe dar
Um pedaço do pão de cada dia
Tem dinheiro, tem terra, vacaria
Nega um copo de leite a uma criança
Junta tudo que tem, ainda avança
Pra tomar um pedaço do alheio
Pode até se salvar, mas eu não creio
Só se Deus der um toque na balança!

Dimas Bibiu

Cancão - Inauguração Crepuscular

Do livro "Palavras ao Plenilúnio", publicado pela Editora Universária da UFPB, onde é ostentado todo o explendor lírico do poeta João Batista de Siqueira, Cancão, natural de São José do Egito, "Berço Imortal da Poesia", Pernambuco.


CREPÚSCULO

O céu se abre num leque de rubor
A luz solar cristaliza o panorama
Se escoa e tremula sobre a rama
Tornando toda a pelúcia multicor

Os horizontes circulam de outra cor
A penumbra parece arder em chama
A última luz no ocaso se derrama
Num quadro mágico, sublime, encantador

O sol, guerreiro que veio do oriente
Passou o dia lutando ferozmente
Da guerra trouxe o seu golpe assinalado

Agoniza agora, e através da tela infinda
Pela grimpa da serra mostra ainda
A metade do rosto ensanguentado.

João Batista de Siqueira, "Cancão".