sábado, 1 de outubro de 2011

Lamartine Passos - Saudade

Mais de um ano depois, cá estou novamente. Quantas poesias ouvidas, quantos versos que gostaria de deixar registrados por aqui. A ilimitada capacidade de nossos poetas irritam e felicitam colecionadores como eu, pois de tantos nos sobram poucos na memória, e a irritação bate, como tão bem narra Jessier Quirino em "Pensamento Sertanejo":

"Apesar de sofrido, este valente
Solta um riso risido e clareado.
Faz um verso na hora, improvisado,
Tão inédito que nunca é repetido.
Quem não presta atenção sai ressentido
De perder o que nunca é reprisado."

Das coisas que ouvi, não presencialmente, mas pelo áudio me repassado por amigos, está o poema "Saudade", de Lamartine Passos, recitado pelo excelente Vinícius Gregório, de São José do Egito, com um interessante acompanhamento no violão. Aliás, esse acompanhamento musical na recitação de poemas é uma das maravilhas que o Pajeú vem esbanjando por aí. Acompanhamento que lembra a poesia lírica grega que era sempre acompanhada musicalmente, multiplicando a emoção, aproximando o espírito do corpo, fazendo uma ponte entre o momento vivido, presente, e a alma, distante, imortal, contemplativa, que se encontram no instante poético do cancioneiro sertanejo.

Interessante como a nossa cultura sertaneja vem herdando o que há de melhores dos clássicos antigos: os trovadores ibéricos renasceram nos nossos cantadores repentistas, e agora poesia e melodia da antiguidade conjugam-se atravessando milênios, remontadas no cenário imortal da nossa poesia popular.

Temos Vozes do Campo (Tuparetama), Vinícius Gregório, As Severinas (feminina mistura egipto-itapetinense que encanta até o mais bruto dos cabras), Dudu Morais e o grupo Pé-de-Parede (Tabira), Val Patriota e Raízes do Pajeú, entre outros que nos agraciam com engenho e arte. A todos, meus parabéns e meu muito obrigado...

Aí está o soneto de Lamartine Passos. Os dois últimos versos desse poema são dignos de se ficar para sempre na memória, vindo à tona sempre que a saudade incomodar, questionadora da existência, nos lembrando que se foi quem não devia ter ido, nos embriagando numa realidade que nos maltrata e que não a queremos, mas que a vida vai continuar ainda assim.




SAUDADE

Nunca pensei que te amasse tanto,
Pois só depois que me perdi de ti
Que a solidão me assombra em cada canto
E grita, em silêncio, "estou morando aqui".

Olho a palmeira, sem sentido, enquanto
Vejo o sanhaçu pousar sempre ali.
Mas sem ter força pra soltar seu canto,
Cala sentindo tudo que perdi.

É tanta dor que me envelhece a alma
E um tédio louco me adultera a calma
De tanta lágrima que já verti.

Já não me sinto em mim, não sou verdade.
E após beber mil goles de saudade
Não sei se ainda estou vivo ou se morri.

Lamartine Passos