quarta-feira, 7 de abril de 2010

Genildo Santana - Último Cântico

Genildo Santana é, no mínimo, professor, poeta, filósofo, teólogo, escritor etc. Nasceu no Sítio Cachoeira, em Tabira. Em João Pessoa cursou quatro anos de seminário teológico, mas desistiu da futura vida de clérigo. Membro da APPTA, entoou, em 2003, suas "Primeiras Vozes".

Delas, consta esse poema: Último Cântico, o derradeiro do livro.  Nele, após perder a mãe, depois de já haver perdido o pai, o poeta revela uma singela rebeldia, uma mágoa sutil e poética ante nosso Criador. Após Ele propor enviar seu pai e sua mãe de volta, "por consolação", o vate tabirense responde a proposta da Sua  Divindade assim:

Por que mamãe? Deus foi tão cruel,
Tirou da terra, levou para o céu
Mais uma santa. Lá já tem demais...
E nessa história que tanto me custa,
Acho a proposta de Deus muito injusta,
Ficar com os dois e me deixar sem pais.

Se numa nuvem do céu Deus descesse,
Se me perguntar ele resolvesse:
"- Queres teus pais, por consolação?"
Responderia sem temer abalos,
"- Se você vai dar, para depois tirá-los,
Muito obrigado, eu não quero não."

Genildo Santana

E no final ele comenta: "Se bem que eu queria..."

sexta-feira, 2 de abril de 2010

João Paraibano - Jesus salva a pobreza nordestina / Com três meses de chuva no Sertão.

João Pereira da Luz, o nosso João Paraibano do Reino de Princesa Isabel, lá da Serra de Teixeira, mostra seu estilo inconfundível nesse belo poema. Glosando um de seus temas preferidos, as mudanças que traz a invernada e a vida que cobre o Sertão nos meses de chuva. Taí: mais um poema de João, tirando da recomendada antologia poética de Marcos Passos, "Retratos do Sertão":

O bezerro mamando a cauda abana;
A espuma do leite cobre o peito;
Cada estaca de cerca tem direito
A um rosário de flor da jitirana.
No impulso do vento a chuva espana
A poeira do palco do verão;
A semente engravida e racha o chão,
Descansando dos frutos que germina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três dias de chuva no Sertão.

Quando Deus leva em conta a nossa prece
O relâmpago clareia, o trovão geme,
Uma nuvem se forma, o vento espreme,
Pelos furos do véu, a água desce;
A campina se enfeita, a rama tece
Um tapete de folhas sobre o chão;
Cada flor tem formato de um botão
No tecido da roupa da campina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

No véu negro da barra, o sol se esconde;
Um caniço amolece e cai no rio;
Nos tapetes de grana do baixio,
Um tetéu dá um grito, outro responde;
A frieza da terra faz por onde
Pé de milho dar nó no esporão
E a boneca, na sombra do pendão,
Lava as tranças com gotas de neblina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

A presença do Sol é por enquanto.
Onde vinga uma fruta, a flor desprende;
Cada nuvem que a mão de Deus estende
Cobre os ombros do céu, de canto a canto.
Camponês não precisa roubar santo,
Nem lavar mucunã pra fazer pão;
Faz cacimba na areia com a mão
Onde o pé deixa um rastro, a água mina.
Jesus salva a pobreza nordestina,

Com três meses de chuva no Sertão.
A cabocla mulher do camponês
Caça ninho nas moitas quando chove
Quando acha dez ovos, tira nove,
Deixa o outro servindo de indez;
As formigas de roça fazem vez
De beatas seguindo procissão;
As que vêm se desviam das que vão,
Sem mão dupla, farol e nem buzina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Sertanejo apelida dois garrotes,
Bota a canga nos dois e desce a serra;
Passa o dia no campo arando terra,
Espantando mocó pelos serrotes;
Sabiá, pra o conforto dos filhotes,
Forra o ninho com pasto de algodão;
Bebe o suco da polpa do melão,
Limpa o bico nas varas da faxina
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Treme o gado na lama do curral,
Sopra o vento, cheirando a chão molhado;
Cada pingo de chuva, congelado,
Brilha mais do que pedra de cristal.
Uma velha, durante o temporal,
Se ajoelha, rezando uma oração,
Fecha os lhos com medo do trovão
E abre a porta, depois que a chuva afina
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Cresce a planta, viçosa, e frutifica
Com um cacho de flor em cada galha;
Vê-se o milho mudando a cor da palha
E o telhado chorando pela bica;
A cigarra emudece, a acauã fica
Sem direito a fazer lamentação;
Deus afina a corneta do carão,
Só depois de três meses, desafina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

(João Paraibano).